Numa aldeia do concelho de Santa Maria da Feira a população isolada dos centros urbanos fazia a sua vida quotidiana, comendo e bebendo do que a natureza lhe propiciava e não raras vezes emigrando. Mas esta história não é sobre comida mas bebida, hoje o homem abre uma torneira e deixa água correr, sem trabalhos nem canseiras, usa e desperdiça, simples e eficaz, mas nem sempre foi assim.
Esta aldeia de que falamos chama-se Tarei, nome original dizendo a lenda que veio dum soldado romano, chamado “Tarex”, a quem foram oferecidas estas terras por bravura em batalha. Voltado à corrente da história vamos contar a forma como foi construído um poço comunitário e que deu de beber a tantas gerações.
Para este trabalho conversamos com duas naturais que ainda residem perto do local, uma descendente de um dos proprietários de nome Clementina Costa e outra antiga utilizadora do poço de nome Mária José.
Clementina Costa já passou meio século de existência e confirma que o poço tem seguramente perto de um século de existência. O mesmo foi construído ou adaptado originalmente pelo seu pai Manuel Costa, ainda vivo com 81 anos, Altamiro Leite e António Franco, estes dois já falecidos, o último por sinal mais recentemente.
Recorda os tempos em que a água potável não abundava e o poço foi construído para resolver esse problema, como ficava perto da estrada que passa pelo meio do vilarejo, por caridade os proprietários começaram a dar de beber a toda a gente, quer fossem da aldeia, de fora ou simples passantes.
Apesar do poço “ser de todos ” quando eram necessárias obras de manutenção, como em certa ocasião em que foi necessário refundar o mesmo, a posse passava novamente apenas para os três originais proprietários, o que os desagradava. A água era usada para tudo, comer, lavar, limpar e sua função primordial matar a sede.
O poço tinha como ainda tem atualmente uma entrada para a estrada, que hoje se chama Rua Central Reis do Fidalgo. Tinha um arco com duas cortãs, a norte para um proprietário e a do sul para a população.
Esta descendente recorda o dia em que como habitualmente se debruçava sobre a pequena abertura para recolher das faces interiores as floridas Avencas que nasciam num local tão venturoso, escorreu e por sorte não se precipitou nas suas águas e hoje ainda é viva para nos contar estas histórias.
Com o avançar imensurável do tempo e a melhoria das condições de vida, muitas pessoas construíram os seus próprios poços, abriram furos artesianos e nos últimos tempos chegou já no século XXI a rede de abastecimento pública e saneamento. O poço desde então foi sendo deixado de ser utilizado, mas não morreu totalmente, as suas águas ainda são utilizadas por descendentes dos proprietários.
Como já tem motor elétrico, a cortã e roldanas que serviam para subir e descer os baldes foram retiradas, a curvatura do mesmo também foi escondida e a sua beleza inicial foi tapada por cimento, restando o pequeno caminho corroído pelo tempo, sendo visível nas suas lajes o desgaste pelo calcorrear de tantos passos das gentes que por ali passaram.
Maria Bastos, sexagenária, recorda os seus tempos de infância, a sua casa distava algumas dezenas de metros do local e deslocava-se duas a três vezes por dia ao poço para ir buscar água. Os baldes eram improvisados em latas de chouriço que compravam nas mercearias locais, bastava abrir dois furos, colocar arame, um peso lateral para melhor encher ao chegar ao fundo e uma corda com mais de 18 metros. Posteriormente estas latas foram sendo substituídas por baldes pretos em plástico.
O precioso líquido era transportado de duas formas ou nos baldes já referidos ou em grande vasilha, abertas em cima denominadas canecos, que eram enchidas pelos baldes mais pequenos e transportadas à cabeça com ajuda duma rodilha. No Verão refrescavam-se com a água que era vertida inadvertidamente pela parte de cima se estivessem demasiados cheios, acabando por ser uma brincadeira. Estes canecos eram pequenas pipas em madeira e que levavam cerca de 10 litros de água e serviam para melhor armazenar a mesma e manter a sua frescura. Não se lembra de alguma vez ter secado.
Por vezes acontecia os baldes ou as cordas rebentarem, pediam então emprestado ao António Franco ou na mercearia local da Rosa Calçada uma fatancha, estrutura com quatro arcos redondo e uma armação central, onde amarravam uma corda, para conseguiram resgatar do fundo o material perdido. Não raras vezes vinham outras latas, baldes ou cordas de outros utilizadores que eram devolvidos.
As latas abandonadas no fundo e que a fatancha não apanhava enferrujavam e estragavam as águas, levando os proprietários pontualmente a terem que do seu bolso costearem as despesas de limpeza.
O poço tem atualmente dois motores elétricos para puxar a água, do Manuel Costa, usado pela filha já referida e Altamiro Leite.
E assim termina esta história dum tempo onde tudo se partilhava, quem mais tinha com maior ou menor vontade ajudava e cumpria-se a eterna premissa superior de “dar de beber a quem tem sede”.
Na impossibilidade de fotografarmos a cortã e roldanas originais, fomos autorizados por uma vizinha a recolher imagens duma estrutura idêntica, já não usada para puxar cordas com baldes de água, mas para embelezar o seu jardim.
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Tarei | Poço comunitário com mais de um século
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Tarei | Poço comunitário com mais de um século
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