Alberto Assunção Pinto – O redeiro Alberto Assunção Pinto – O redeiro
sexta, 13 janeiro 2017 03:41

Alberto Assunção Pinto – O redeiro

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Filho de Manuel de Oliveira Pinto e de Rosa de Oliveira Ascensão, o Alberto “Pescador”, como é conhecido em Ovar, seu tor­rão natal, nasceu em 26 de outubro de 1941. Atualmente, ocupa o tempo a consertar redes, é figurante no Rancho Folclórico “As Morenitas” do Torrão do Lameiro, e ainda dá um ar da sua graça na Confraria Gastronómica de Ovar, onde é um afamado tocador de búzio.

Alberto Assunção Pinto – O redeiro

Em que ano começou a trabalhar na Arte Xávega? 

Alberto Pinto – Co­mecei a trabalhar na Arte Xávega, também chamada de arte cega, em 1948. Tinha 7 anos. A minha profissão era andar aos chicotes. Quando rebentava uma dessas cor­das ao serem puxadas pelos bois, eu agarrava num chicote inteiro e dava-o ao lavrador para que pudes­se substituir aquele que tinha re­bentado. Pegava, depois, nas duas pontas e entregava-as no armazém da companha. Ganhava meio tos­tão. Não dava para nada, mas foi aí que eu comecei a aperceber-me de que aquele trabalho ia ser o meu ganha-pão. Quando não ha­via gado, o barco era levado para baixo, para o mar, à força de bra­ços. Para cima, tinha de ser com os bois. Aquilo era puxado com sete juntas de bois, por cada banda.

Quantos homens iam na embarcação a quatro remos?

No barco iam 46 homens, isto na com­panha do Valente. Trabalhei tam­bém um ano no barco S. Pedro, no mar, e depois passei a atar a rede, em terra. Fui matriculado aos 18 anos de idade. Mas com 15 anos já ia no barco a ajudar... Certa altura, estava com uma dor forte, e o meu falecido pai disse para irmos para o mar, e eu tive de ir... Antigamen­te, éramos obrigados a trabalhar se quiséssemos comer. Fui para a pes­ca porque não havia outro empre­go. Trabalhei até 1961 nos barcos a quatro remos, e só parei quando tive de ir para a tropa. Empreguei­-me na indústria, mas nunca deixei a faina do mar. Hoje, arranjo ape­nas as redes na praia dos Marretas, no Torrão do Lameiro, no barco Pedro, o Pescador.

Com quem é que aprendeu a arte de redeiro? 

Com ninguém... Fui eu que pu­xei pela cabeça, que tive muita for­ça de vontade para ver como é que aquilo se fazia. Hoje ninguém quer aprender esta arte... Se for preci­so, estou disponível para ensinar. Comecei a consertar redes aos 14 anos, quando andava aos redanhos, com os sacos de rede a apanhar o peixe. Quando havia uma malha partida, pegava na agulha e conser­tava-a. Mas, como disse, ninguém me ensinou, eu é que fui fazendo. O Eurico Martelo, que era redeiro, dizia para eu atar, e eu atava. De­pois, o Américo Nota foi trabalhar para o Maganinho e eu fiquei no Giesta. Os Martelos e os Maldades eram famílias que estavam ligadas a esta arte. Em Ovar há muita gente que me conhece por o homem das redes. E é isso que eu faço! 

A que outras tarefas os pesca­dores se dedicavam quando o mar estava ruim? 

Quando o mar não dava nada, íamos às enguias para o rio. Nós chamávamos rio à Ria. Se ali não dava nada, íamos às agulhas e às pinhas [na foto], com um pau grande, como aquele que tenho ali. Ainda vou às pinhas com o meu neto mais novo. Ele gosta de ir com o avô. Houve um ano que cheguei a trazer 500 pinhas, e quando estava a sair do pinhal, o guarda-florestal apanhou­-me. Se quiséssemos ir à mata às agulhas e às pinhas tínhamos de pagar 1 escudo. Cheguei a vir de Gondozende e Rio Meão carrega­do delas. Em Ovar era proibido apanhá-las, mas nessas terras os particulares deixavam-nos andar à vontade. Vendíamos depois as pinhas à casa S. Luiz, onde eram abertas para cozer o Pão de Ló no forno. Também trazíamos pinhas para o forno onde eram cozidas as roscas da ti Albertina, as mais sa­borosas de Ovar. Como vê, os pes­cadores para poderem sobreviver tinham de se por ao caminho, de fazer pela vida...

Lembra-se das cantigas que os pescadores entoavam quando se faziam ao mar? 

Então não me lembro?! Can­távamos o Bendito, com devoção, e pedíamos ao S. Pedro para que ele nos desse peixe na rede para nós mantermos os nossos filhos. Cantávamos cantigas da Igreja para que Deus nos ajudasse. Nós, pescadores, temos muita fé. Essa tradição já vem dos nossos avós...

Qual era o maior perigo que um pescador podia enfrentar? 

O nevoeiro... Nós, pescadores, não devemos ter medo do mar. De­vemos é ter muito respeito por ele. Outro perigo é o banco de areia. Chegávamos a vir para trás porque não conseguíamos passar o mar no banco, porque se o barco metesse água ali, era o fim... Bebi muita água salgada sem querer. Sei que um dia fomos pescar com o mar bom, com o tempo estável, e o mar de repente alterou-se. Toda a gente gritava, em ter­ra... Eu ia à ponta do remo, um sítio de muita respon­sabilidade, porque nós ali é que trazíamos o barco direi­to. Mas nós, com a graça de Deus, arribámos bem.

Era nessas alturas, de aflição, que faziam uso do búzio?

Tocávamos o búzio, ou a buzina, que era feita em chapa, em várias ocasiões... Quando o nevoeiro apare­cia e começávamos a andar às voltas, desorientados, o arrais tocava, e em terra lançava-se um, dois ou três foguetes para que os pescadores que iam no barco pudessem vir na direção daquele som. Mas o toque do búzio servia também para avi­sar os pescadores que iam para o mar, para que os lavradores pudes­sem vir com as suas juntas de bois do Torrão do Lameiro, de Cimo de Vila, de S. Vicente de Pereira, da Marinha e da Ribeira. A abegoaria era junto à praia. Os bois ficavam por baixo e por cima ficavam os lavradores. Havia dois chamadores de gado, um por companha...

TEXTO e FOTOS: Fernando Pinto

Lida 1641 vezes Modificado em quinta, 15 abril 2021 22:09

Autor

Fernando Pinto

Fernando Manuel Oliveira Pinto nasceu no dia 28 de junho de 1970, em Ovar. Jornalista profissional, fotógrafo e realizador de curtas-metragens de vídeo. Escreve poesia e contos. A pintura é outra das suas paixões. Colaborador do "Ondas da Serra".

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