Entrevista a Elsa Maria Costa Lé - Escritora vareira
Jornalista Fernando Pinto - Nasceu em Ovar... Que idade tinha quando veio viver para a cidade do Porto?
ELSA LÉ - Nasci no dia 10 de agosto de 1968 no Hospital de Ovar. Morava na Rua Cândido dos Reis, e da varanda da casa da minha avó Maria Lé via entrar os carros dos Bombeiros no antigo quartel. Lembro-me de no verão ouvir as sirenes. Tinha 4 anos quando vim viver para o Porto. Fiz a minha vida toda aqui nesta cidade, mas regressava a Ovar sempre nas férias de verão, na Páscoa e no Natal, enquanto a minha avó foi viva. Morreu poucos meses antes de fazer 100 anos.
A revista "REIS", da qual sou um dos coordenadores, dedicou-lhe uma página em 1995. A sua avó Lé, nascida a 17 de março de 1897 no Rio de Janeiro, foi a primeira parteira diplomada em Ovar...
Sim, a minha avó ajudava a nascer os vareiros. Já tive o gosto de ir a escolas na zona de Ovar e algumas pessoas, ao saberem do meu apelido, vieram ter comigo e disseram-me: "É alguma coisa à Maria Lé?". Digo que sim, e elas dizem: "A sua avó fez-me nascer!" Gostava muito de ficar com o artigo que saiu nessa revista. É uma bela homenagem que fizeram à minha avó. Lembro-me de brincar a fazer nascer, com travesseiros, a fingir. Dizia: "Nasce, nasce, nasce bebé" (risos).
Ovar influenciou a sua forma de estar no mundo?
Em Ovar estava perto da natureza. A minha avó tinha um quintal, que era uma coisa que aqui na cidade eu não tinha. Lá podia colher morangos, podia apanhar flores... Lembro-me de a minha mãe, Conceição, como eu era um pisco a comer, dar-me a sopa no quintal, e dizer-me: “Uma colher de sopa para o passarinho que está ali, outra colher para o caracol, outra para o moranguinho que está a nascer... Ia a descer até ao quintal a dizer-me isso. Lembro-me de também colher flores para fazer tapetes. Em Ovar tinha contacto com as cores, com o mar, transparente como as aguarelas. Gostava de apanhar conchinhas, de brincar com o balde na praia. Lembro-me de nadar na Ria, no Areinho. As memórias que tenho são do quintal, das procissões, do carnaval e das férias de verão no Furadouro.
Gostava que lhe contassem histórias na sua infância?
A minha mãe e o meu pai Manuel contavam-me histórias que eles inventavam, e a minha avó contava-me histórias tradicionais. Gostava muito de os ouvir! Com muita pena minha, algumas dessas histórias perderam-se. Tenho-as na ideia, mas não consigo engatá-las. Falavam de fadas...
A neta da Maria Lé ajuda a nascer sorrisos nas crianças... A Elsa é uma espécie de parteira das palavras e das cores, não é?
Acho que o Fernando agora ilustrou bem, descreveu bem, a sensação que eu tenho! (Risos).
Gosta mais de escrever ou de mergulhar na ilustração?
Como sou formada em Pintura pelas Belas Artes do Porto, é na ilustração que me sinto como um peixinho dentro de água. A minha forma natural de comunicar é através da cor, da imagem, mas também gosto da escrita, porque as palavras têm uma paleta infinita de cores.
Que título deu ao seu 1.º livro?
“Um milhão de beijinhos”. Foi escrito e ilustrado por mim. É de 2005, e teve três edições. Estou a tratar de fazer a 4.ª edição, porque a editora Ambar fechou. É um livro muito procurado. Volta e meia recebo e-mails de pessoas que não conheço a perguntarem onde é que podem encontrar este meu livro. E isso toca-me! Há livros que se tornam intemporais. Para mim, é o ex-líbris dos afetos de todos os livros que escrevi ou ilustrei...
Já publicou mais de duas dezenas de livros... Quais são as técnicas que utiliza?
(...) Gosto da aguarela porque tem umas cores extraordinárias, uma série de transparências... Eu costumo dizer que quando pintar a preto e branco é porque estou muito infeliz, muito deprimida. Nas minhas ilustrações tem que haver cor, porque os miúdos conseguem perceber bem através das cores, se são quentes ou frias, se estão a transmitir sentimentos de alegria ou de tristeza. Na história “Um milhão de beijinhos” também jogo muito com a cor, porque é uma forma de comunicação primária. Se ler um dos livros que ilustrei de outros autores, como “Versos com todas as letras” ou “De um a dez da cabeça aos pés”, de José Jorge Letria, ou este que tenho aqui na mão, “Uma estrela viaja na cidade, poema dramático de Papiniano Carlos, pode ver que é a pintar a aguarela que me sinto realizada. O meu filho Vasco ao ver os meus trabalhos costuma dizer que é a minha cara chapada. Sou apaixonada por aquilo que faço...
Há pouco falou de afetos. Os valores e os afetos, pelo que percebi, são muito visíveis nas suas obras...
Acho que são essenciais nos nossos dias, e defendo-os. Nos livros da minha autoria tenho uma mensagem fulcral que eu quero transmitir. Se ler o meu livro “Risco, o peixe-aranha”, um peixe que é da cor da areia e ao mesmo tempo de todas as cores, ficará a perceber a importância que dou aos valores e aos afetos. O meu Vasco diz-me isso: “Mãe, tu conseguiste que eu desse muita importância aos afetos”. E é verdade, porque ele é um rapaz muito afetuoso... Se possível, gosto de contos que começam por Era uma vez... Aí, talvez, sejam as reminiscências da minha infância. Era uma vez uma menina que nasceu em Ovar, depois veio para o Porto, e tornou-se numa contadora de histórias, escritas e coloridas...
TEXTO e FOTOS: Fernando Pinto