História do Cais da Ribeira em Ovar e real imposto do vinho1
"O Cais da Ribeira data de 1754. Foi feito à custa de um real em cada quartilho de vinho vendido em taberna, sob a imediata inspeção do provedor da Comarca de Aveiro, que por tal guisa se houve, que dentro de poucos anos estava esta obra inteiramente arruinada! Há quem diga que fora ela… roupa de franceses.
Costa que em outro tempo a sua direcção era seguida ao Corgo, lugarejo habitado, onde hoje apenas se mostram as ramas de algumas figueiras soterradas na areia.
Logo depois da revolução de 1820 se cuidou da sua reconstrução, como se vê da seguinte Provisão:
<<D. João por Graça de Deus, e pela Constituição da Monarquia, Rei do Reino-Unido de Portugal, Brasil e Algarves etc. Faço saber ao Juiz de Fora da Vila de Ovar, que em consequência das determinações das Cortes Gerais e extraordinárias da Nação Portuguesa, tomando em consideração o que lhe haveis representado, e mais alguns habitantes dessa vila, para secar o real que até agora se pagava por essa vila, para as obras da barra de Aveiro, hoje mesmo por outra ordem minha, expedida na data desta, pela Mesa do meu Desembargador do Paço, mandei participar ao Superintendente das obras da dita barra, que Eu houve por bem mandar secar o real que dessa vila se pagava para as mesmas obras, a fim de ser aplicado o mesmo real para as obras do Cais dessa Vila, na forma que se havia suplicado; o que vos participo para vossa inteligência e execução. El-Rei o mandou por seu especial mandato, e pelos Ministros abaixo assinados do Seu Conselho e seus Desembargadores do Paço. –Paulo José do Val, a fez em Lisboa aos 8 de Outubro de 1821. –João de Oliveira Zuzarte a fez escrever. –Francisco José de Faria Guião, -João de Matos Vasconcelos Barbosa de Magalhães>>.
O sr. Infante regente d. Miguel mandou fazer o cais por Provisão de 17 de Julho de 1828, enviando a planta e apontamentos, sem que do produto do real se separasse a pensão anexa de 400$000 réis para os expostos, se estivesse regiamente aprovada e confirmada. Também encarregou o Juiz de Fora da inspeção e fiscalização da obra da mesma sorte que até ali o era do Superintendente da barra de Aveiro.
Sendo o cais de Ovar o intermediário do comércio entre Aveiro, o Porto, e as principais terras da Beira, foi grande o seu movimento, operado por quarenta barcos, sobretudo no transporte de sal que se fabrica nas marinhas de Aveiro, sendo em tal quantidade a sua extracção, que orçava em alguns anos por 100$000 rasas! Uma boa parte dele era transportada daqui em carros para Arnelas, ponto de escala no rio Douro, freguesia de Santa Maria do Olival, no Couto de Crestuma, donde seguia rio acima até à foz do Tua e Baleira de Cachão, para ser distribuído pelas Províncias de de Trás-os-Montes e Beira confinante. Depois do estabelecimento da linha-férrea, este movimento tem diminuído mais de meio por meio.
Há ali um empregado municipal com o título de <<Cabo do Cais>>, desde a abertura da Barra, pelo menos, e do seguinte facto de deduz que era agente de polícia:
<<Em conformidade das ordens superiores, autorizo o Cabo do Cais, António Joaquim Pinto, não só a receber todas as declarações que lhe hajam de fazer os barqueiros e estalajadeiros da Ribeira, de todos os viandantes desconhecidos, que por ali transitem, mas também de examinar os passaportes dos mesmos viandantes, exigir a sua apresentação, fazendo reter e conduzir à minha presença não só quem transitar sem ele (não sendo da vila ou distante cinco léguas), mas também quem o não trouxer em ordem e formo. Autorizo-o igualmente para poder apenar a quaisquer homens, para que o acompanhem, ou conduzam debaixo de prisão à minha presença qualquer pessoa que ele lhe determinar, sob pena de ser castigado como desobediente às ordens superiores. Ovar, 23 de Agosto de 1825. Vicente Nunes Cardoso>>." (Pinho, 1959, p. 236, 237 e 238)
O "real imposto a cada quartilho de vinho", para financiar a construção do Cais da Ribeira de Ovar
No vídeo que apresentamos no final deste artigo, vamos contar a sua história e a forma que foi desencantada para promover a sua construção. O Rei D. João I determinou que os impostos aqui pagos e que fomentavam a construção da barra de Aveiro, fossem reafectados para a sua reconstrução, com o "real imposto a cada quartilho de vinho". O seu filho o Infante D. Miguel, reforçou a determinação do pai, com o "arrátel da carne no distrito da vila".
Naquela época rebentaram também as lutas entre liberais e Miguelistas. Ao chegar ao poder, o Ministro do Reino, Passos Manuel, quis saber onde foi gasto o dinheiro e pediu contas. O município vareiro reteve os impostos, mas não fez obras com o argumento que necessitou dele para ajudar necessitados. A reafectação do imposto foi revogada e depois de várias recusas da câmara em cumprir a ordem foi dissolvida e substituída por uma mais fraca que cumpriu a determinação.
O movimento do Cais da Ribeira de Ovar e a criação do polícia “Cabo do Cais” para fiscalização
O movimento no Cais da Ribeira de Ovar era tão intenso que o município teve necessidade de criar um polícia para fazer as fiscalizações legais e manter a ordem, tendo denominado o seu cargo como “Cabo do Cais”. Um destes homens chamava-se, António José Sousa Pinto Bastos, que tinha a obrigação de fiscalizar as declarações dos barqueiros, estalajadeiros e viandantes, e apresentar os que não o tinham estes documentos ou estivessem em desconformidade, de os levar sob prisão ao Juiz de Fora. Outra das suas obrigações era receber impostos, o "Cabo do Cais", atrás referido aos nove dias de dezembro de mil oitocentos e vinte e oito, entregou a quantia de 305$610, referente a impostos que tinha cobrado, para serem depositados nos cofres públicos, conforme se pode ler na cópia do documento de cima, retirado do livro referido nos créditos finais. (Pinho, 1959).
A passagem pelo Cais da Ribeira de Ovar da Rainha D. Maria II e família real
Este local ficou também ligado a uma viagem que a Rainha D. Maria II, fez entre Ovar e Aveiro, no dia 23 de maio de 1952, acompanhada pelo rei consorte D. Fernando II, Príncipe Real D. Pedro e o Infante D. Luís. A família real deixou os Paços do Concelho pelas 09h30, onde pernoitou, rumo ao Cais da Ribeira de Ovar, acompanhada por centenas de vareiros, onde embarcaram rumo à cidade de Aveiro. Esse dia foi de festa e o cortejo real foi escoltado pela Ria de Aveiro e Canal de Ovar, pela Câmara e várias pessoas de todas as classes que se quiseram associar.
O Cais da Ribeira de Ovar foi um dos mais importantes da sua história2
"O Cais da Ribeira foi um dos mais importantes cais da história de Ovar – ponto de chegada e partida de pessoas e mercadorias durante os séculos em que as ligações regionais eram feitas navegando pelos canais da Ria – e que muito contribuiu para o desenvolvimento do concelho. A passagem da Rainha D. Maria II, em 1852, que aqui embarcou em direção a Aveiro, é um atestado simbólico à importância histórica deste cais.
De facto, o Cais da Ribeira foi uma das principais plataformas logísticas de toda a região, como ponto intermédio entre as cidades de Aveiro e do Porto, até à construção da linha de caminho de ferro, em 1863. Aqui tiveram lugar diversas atividades económicas, como a descarga e comercialização do moliço, do pescado e do sal, a carpintaria naval artesanal e o transporte de pessoas.
A grande largura do canal do cais – sobretudo em comparação com outros cais da região – também demonstra o elevado tráfego de embarcações. Várias empresas de embalamento e comercialização de sal continuam ainda aqui a operar, ao mesmo tempo que nos recordam do tempo em que este cais foi o principal local de descarga de sal das salinas da Ria de Aveiro. Os (tradicionais) barcos de pesca aqui atracados exibem um colorido contraste com a escura lama da maré-baixa e das pedras das margens do cais."2
Áreas Classificadas do Cais da Ribeira de Ovar
- Sítio da Rede Natura 2000: Ria de Aveiro (PTCON0061);
- Zona de Proteção Especial: Ria de Aveiro (PTZPEO004)
O declínio do Cais da Ribeira de Ovar
Como se pode ler neste artigo, nos séculos passados o Cais da Ribeira de Ovar, tinha muita importância e intenso movimento, que se foi perdendo com a construção da linha férrea. A Ria de Aveiro era navegada por muitas bateiras, moliceiros e a sua besta de carga o mercantel. Estes últimos ainda vão sendo construídos pelo Mestre Felisberto do Tabuado em Pardilhó, não para carregar sal, mas para o turista em Aveiro passear pelos canais. Estes barcos navegaram nestas águas até 1980, onde o sal chegava das marinhas de Aveiro para ser processado nas suas indústrias. As poucas que hoje resistem há muito tempo que usam camiões para o seu transporte.
A reabilitação do Cais da Ribeira de Ovar
Este local tem muitas potencialidades, pela grande riqueza natural, com o antigo Cais da ribeira de Ovar, na Ria de Aveiro, Canal de Ovar e edifícios da sua antiga indústria de purificação do sal. Daqui parte um trilho para a foz do Rio Cáster, que passa pelo meio deste curso de água e Ria de Aveiro. Esta caminhada passa também por uma torre para observação da avifauna, que aqui é muito rica. Por isso seria necessário a criação dum plano a longo prazo para a sua reabilitação e que aproximasse os vareiros das suas raízes e fosse um cartaz de visita para os turistas.
Localização do Cais da Ribeira de Ovar
O Cais da Ribeira de Ovar, fica localizado na Rua Dr. Pedro Chaves 1040, Ovar, sendo um porto da Ria de Aveiro, Canal de Ovar. Na deslocação para este cais irá passar pela aldeia da Ribeira, muito rural e pacata. Se tiver dificuldades na sua localização esta estrada fica perto do Hospital de Ovar.
Trilho do Rio Caster em Ovar - Uma bonita caminhada na zona centro
O Cais da Ribeira de Ovar é também o ponto de partida para uma boa caminhada na zona centro, requalificada pelo município, entre o Rio Cáster e a Ria de Aveiro, que termina na sua foz, num local conhecido pela boca do rio. Aqui poderá ver pontualmente lavandeiras metidas no rio, com água pelos joelhos a lavar a roupa à mão. O percurso tem cerca de três quilómetros em cada direção, sendo recomendado para caminhadas para iniciantes. Junto deste percurso foi construída uma torre de observação, onde poderão ser observadas aves limícolas e pernaltas na ria e águias no ar.
Se percorrer o Trilho da Foz do Rio Caster é possível que se cruze com Manuel Faneco, um homem que se dedica para salvar e vigiar o Rio Caster, para defender este local da destruição e incúria de muitas pessoas e desatenção das entidades oficiais pela sua conservação, fiscalização e manutenção.
Créditos e Fontes pesquisadas
Texto: Ondas da Serra com exceção do que está em itálico e devidamente referenciado.
Fotos: Ondas da Serra.
1 - Pinho, J. F. T. d. (1959). Memórias e datas para a história da Vila de Ovar. Câmara Municipal de Ovar
2 - granderota.riadeaveiro.pt/pois/cais-da-ribeira/