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Arraias do Mar da Confraria Gastronomia do Concelho de Ovar Ricardo Nunes, Arrais de Mar da Confraria Gastronómica do Concelho de Ovar
quinta, 09 março 2017 14:00

Arraias do Mar da Confraria Gastronomia do Concelho de Ovar

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Estivemos à conversa com o Arrais de Mar da Confraria Gastronómica do Concelho de Ovar, fundada em 27 de fevereiro de 2010. Ricardo Nunes, de 33 anos de idade, natural do Fundão, a residir em Ovar desde 1997, disse que a sede ideal para esta confraria vareira “tem de ter uma cozinha”.

ENTREVISTA ao Arrais de Mar da Confraria Gastronómica do Concelho de Ovar

Ricardo Nunes da Confraria Gastronómica do Concelho de Ovar

É o Arrais do Mar desta Confraria. Porquê esta designação?

Ricardo Nunes - Sim. En­quanto Confraria fomos buscar ao mar e às suas atividades, a no­menclatura para definir os órgãos sociais que têm um nome associado com o mar. Neste caso, como eu sou o presidente da direção, sou o Arrais de Mar, a pessoa que lidera o barco para que chegue a bom porto, trazendo bom peixe. No caso da Assembleia Geral são os Arrais de Terra, que seriam aqueles que zelavam pela boa safra, e o con­selho fiscal seriam os Guardas da Sociedade, porque também havia essa figura. A companha era gerida por uma sociedade...

Quando é que foi fundada a vossa confraria gastronómica?

Fiz parte do grupo fundador da Confraria, em 27 de fevereiro de 2010. A Assembleia Geral Constituinte foi nesse ano, e a nossa escritura, o registo notarial, no dia 1 de abril de 2011.

Qual o motivo da sua criação?

Há dois grandes motivos, um pessoal e outro coletivo. Na altura, eu estava a estudar Gestão do Património no Politécnico do Porto, e foi-me proposto fazer um trabalho sobre a zona onde vivia. Como gosto muito de Gastronomia, e queria falar de outras coisas sem ser apenas do Pão de Ló, comecei a entrevistar algumas pessoas que conhecia, e descobri que havia uma riqueza muito grande. Fui à procura das fontes, de livros que falassem sobre a gastronomia do concelho mas, infelizmente, não encontrei nada. Existiam referências. Mas de­cidi, mesmo assim, fazer o trabalho. Em conversa com algumas pessoas com gosto pela matéria, comecei a pesquisar sobre o que era uma confraria, para que é que servia, e avançámos. A nossa confraria sur­giu da necessidade de encontrarmos uma estrutura, um organismo que pudesse dedicar-se ao estudo e à preservação da nossa gastronomia, do ponto de vista formal. Estamos a falar, em primeiro lugar, do registo.

Como as pessoas mais velhas, as que possuem o saber vão de­saparecendo, é muito importante que esse património não se perca...

Foi isso que nos levou a criar esta confraria. Como sabe, em Ovar temos também a do Pão de Ló. Os antigos guardavam as suas recei­tas em livrinhos, e muitas vezes os seus herdeiros não dão valor a esses manuscritos, e deitam-nos fora. E nós não queremos que isso aconteça. Se alguém tiver um livro de receitas e não quiser desfazer-se desse espólio familiar, gostávamos que nos fizessem chegar cópias desse material. Se nos quiserem doar, temos espaços para os guardar nas devidas condições. Como pensamos fazer um livro, seria fundamental a colaboração de todos.

Os grupos de Folclore também devem ter um espólio muito rico...

Não podemos descurar o tra­balho que têm feito, tenho essa consciência, mas o trabalho que fizeram não foi realizado de uma maneira sistematizada. Está guar­dado, mas não está disponível. Na fase inicial, quando fiz o trabalho para a faculdade, fui beber a estas associações. Mas, depois, optámos por outra estratégia, porque o tra­balho desses grupos, como já estava salvaguardado, permitiu-nos ir à procura de outros registos, como o da rosca da dona Albertina. O Sr. Alberto Pinto, o nosso sócio n.º 1, que toca o búzio, andava às pinhas para acender o forno da Albertina das Roscas. Para além de preser­varmos estas nossas tradições, também não descuramos a parte da inovação. Por isso é que lançámos o desafio às nossas doceiras para criarem um novo pastel. Ficámos a ganhar, porque agora temos dois produtos, os pastéis Vareiro, da Ga­briela Ribeiro, e a Rodilha d’Ovar, de Rosa Rodrigues. Já fize­mos uma apresentação pública, aqui no Museu Júlio Dinis, com degus­tação dos produtos.

Já deram os dois pastéis a provar às pessoas de fora?

Há um plano para fazermos, durante o ano de 2017, a divul­gação e promoção dos pastéis, em primeiro lugar do Vareiro, e depois, numa 2.ª fase, da Rodilha d’Ovar, para darmos o devido destaque a cada um dos doces. Vamos dar formação às pastelarias, confeitarias e res­taurantes que tenham interesse em aprender a confecionar estes produ­tos, porque achamos que a receita deve ser divulgada. [Na foto, a "Rodilha d’Ovar" e o "Vareiro"].

Confraria Gastronómica do Concelho de Ovar

Já pegaram na Caldeirada à Pinovai, da Praia do Furadouro?

Nós começámos com as caldeiradas em Esmoriz, e vamos por aí abaixo... Ainda não chegámos ao Furadouro. No início, julgávamos que só havia uma caldeirada, mas, depois de fazermos as entrevistas, apareceram diversas caldeiradas. Chegámos à conclusão de que há uma receita base, mas depois há variações, porque a caldeirada de­pendia da qualidade do peixe, da sua abundância, da escassez, da falta de dinheiro, entre outros fatores. Numa entrevista que fiz, disseram-me que a antiga caldeirada de peixe não era feita com batata. Levava peixe, que acompanhava com broa. Neste momento temos muitas horas de gravação, muitas recolhas feitas, mas a informação, por enquanto, ainda não está sistematizada para a tornarmos disponível ao público.

Num suporte, como o livro?

É esse o objetivo! Mas para haver um livro temos de ter 30 ou 40 receitas, no mínimo. Que­remos criar, primeiro, um roteiro gastronómico de Ovar, uma bro­chura, isto em todas as freguesias, falando na antiga organização das freguesias. Foi aí o nosso ponto de partida, o de selecionar cinco receitas mais caraterísticas desses lugares. Quanto ao livro, nunca será um trabalho completo, mas um retrato da gastronomia do con­celho de Ovar. Nós temos quase a realidade nacional: temos o mar, a ria, o rio, a terra, a zona do campo, com os rojões, as sopas à lavrador. Há aqui uma relação muito forte entre a terra e o mar. Os bois da raça marinhoa tanto ajudaram a lavrar os campos como a puxar as redes. Temos um casamento perfeito, uma ligação que acaba na mesa.

Porque é que ainda não têm um espaço próprio, uma sede?

Quando nos perguntam onde é que estamos sedeados, eu digo que estamos no concelho de Ovar. Ain­da não temos um espaço, porque a nossa sede tem de ter uma cozinha. Queremos que seja uma espécie de laboratório de experimentação gastronómica, onde possamos fazer workshops. Este projeto, que começou por ser pessoal, está agora aberto à comunidade. Qualquer um pode participar, basta querer!

TEXTO: Fernando Manuel Oliveira Pinto/JOÃO SEMANA

FOTOS: DR (Direitos Reservados)

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Autor

Fernando Pinto

Fernando Manuel Oliveira Pinto nasceu no dia 28 de junho de 1970, em Ovar. Jornalista profissional, fotógrafo e realizador de curtas-metragens de vídeo. Escreve poesia e contos. A pintura é outra das suas paixões. Colaborador do "Ondas da Serra".

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