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José Fragoso – Do Sobral à Moita José Fragoso e Sílvio Dias
segunda, 24 julho 2017 02:19

José Fragoso – Do Sobral à Moita

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Nos passeios que a equipa do “ONDAS DA SERRA” faz pelos belíssimos recantos do distrito de Aveiro, a maior parte desconhecidos das pessoas, costuma encontrar gente anónima que tem "estórias" interessantes para contar.

Entrevista ao pescador José Fragoso do lugar do Sobral

Numa destas manhãs de julho, pedalávamos a caminho da ponte da Moita, em Ovar, quando, ao passarmos por um esteiro da ria, descobrimos uma antiga motorizada FS estacionada em cima de uma pequena ponte que dava acesso a uma terra de cultivo.

Ali perto, fomos encontrar um homem, de galochas, agachado, dentro de um esteiro, à procura de bicha, aproveitando a maré baixa. Abandonámos as bicicletas e perguntámos se podia responder a algumas perguntas. Aceitou, passado algum tempo.

José Fragoso na apanha da bicha

"O ROBALO GOSTA DE BICHA, MAS TAMBÉM DE CAMARÃO-MOURO"

"Chamo-me José Fragoso, tenho 73 anos de idade e resido no Sobral", disse, num tom desconfiado. "Sou do tempo em que o trabalho ficava à frente da escola". Hoje, o Sr. José tem dificuldade em escrever, mas sabe assinar o seu nome... Mas não lhe peçam para assinar cheques!

Enquanto remexia no fundo do esteiro, conta "que andava a apanhar bicha para ir pescar robalo no dia seguinte", e que, para isso, tinha o cuidado de, na véspera, verificar as marés para ver a que horas tinha de estar na Moita. O robalo, com a subida da maré, vem até ao norte da ria, e os pescadores tentam aqui a sua sorte.

 "O robalo gosta de bicha, mas também de camarão-mouro, que pode ser apanhado nestes esteiros", explica o Sr. José, acrescentando: "Este camarão também é disputado pelas garças que nidificam na Ria de Aveiro. Se esta espécie for apanhada nesta altura do ano, a maior parte morre, porque estão na desova". O "Ondas da Serra" apela à consciência dos pescadores para não o fazerem, porque é a desova que garante o futuro da espécie.

O Sr. Fragoso recorda-se do tempo em que esteiros como este eram um autêntico viveiro de enguias: "Agora são um viveiro de lama”, lamenta.

"NÃO SEI O QUE É A DEMOCRACIA!"

Este homem, que viveu no tempo da ditadura, lembrou que "o ser humano destrói tudo por causa da ganância, e que os patrões deveriam dar valor a quem trabalha, porque, desta forma, não havia fome”. É de opinião de que a Revolução dos Cravos trouxe excesso de liberdade, o que também é prejudicial para a sociedade: “Não sei o que é a democracia!", diz o Sr. José Fragoso, preferindo regressar ao assunto da pesca.

Durante as suas pescarias já caiu duas vezes à água, uma no Rio Cáster, na zona das Luzes. Pescava remolhão e um peixe caiu aos seus pés, e, na ânsia de não o deixar escapar, desequilibrou-se, e caiu ao rio, de cabeça. O outro "mergulho" aconteceu em Cabanões, na levada do Ti João de Sanfins: Estava a pescar enguias, perto do rio, tendo um salgueiro como apoio. Ao puxar uma enguia, o bicho bateu-lhe nos pés e fê-lo cair à água. Mas, como é teimoso, não desistiu, dizendo para os seus botões: “Raios da bruxa, não há de ser mais forte do que eu!" Pegou na tralha e mudou de rio. Foi para junto da ponte do Sobral, a que fica a caminho de Santa Maria da Feira. Todo encharcado, finalmente teve sorte. Mas a surpresa estava reservada para o final: depois de terminada a pescaria, descobriu que das dezenas de enguias que tinha apanhado restavam somente algumas, porque, como são escorregadias, tinham fugido do balde.

HOMEM DE SETE OFÍCIOS

O Sr. José Fragoso teve várias profissões. Foi padeiro, um trabalho escravo, segundo afirmou, trabalhou na fábrica de tintas “SICA”, na Ilma, empresa dos automóveis. Esta última fábrica deixou de produzir e, como havia falta de dinheiro, o patrão teve que despedir trabalhadores. José Fragoso foi um dos que veio embora, mas recebeu tudo a que tinha direito.

Trabalhou, depois, numa fábrica de rações: "Aquilo é que era um bom tempo... Saía-se de um emprego e entrava-se de caminho noutro”. Esteve três meses neste trabalho. Quando ainda estava nesta ocupação foi pedir trabalho ao Instituto Nacional Trabalho em Aveiro, tendo-se inscrito para todos os países com quem Portugal tinha relações amistosas. Coisas do Estado Novo! Labutava o Sr. José Fragoso nas rações quando recebeu uma carta do referido Instituto para ir trabalhar para a Alemanha, para a Mercedes. Na altura, o câmbio dava para juntar algum dinheiro, mas ao fim de dez anos fartou-se de andar sempre com a trouxa às costas...

"AINDA FICAS AÍ ATOLADO, PÁ!"

Enquanto conversávamos passou por nós outro pescador: “Ainda ficas aí atolado, pá!”, disse, tendo o Sr. José respondido que "já não era a primeira vez que isso acontecia".

Antigamente, segundo o nosso entrevistado, na Moita havia plantações de arroz: "Vinham trabalhadores de outros lugares, principalmente de Pardilhó, trabalhar para aqui", lembrou o Sr. Fragoso, apontando para uma casa em ruínas que ficava ali perto, que já serviu para os agricultores guardarem as suas alfaias agrícolas, e onde se formaram várias famílias.

Terminada a pequena entrevista, despedimo-nos do Sr. Fragoso, e seguimos na direção da ponte da Moita. Ao regressarmos pelo mesmo caminho, O Sr. José preparava-se para ir embora, acondicionando o material que tinha utilizado para apanhar bicha na sua motorizada FS, motor Zundap, com mais de 30 anos de uso, como fez questão de frisar naquele instante. Partimos, sem olhar para trás, porque o Sr. José pediu privacidade para cumprir aquele ritual sozinho.

Texto e fotos: Equipa do "ONDAS DA SERRA"

Galeria de fotos

Lida 2054 vezes Modificado em domingo, 31 janeiro 2021 10:30

Autor

Ondas da Serra

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