Vhils: "É um rosto abstrato com base numa pessoa real"
A ‘Diorama Cork Faktory’, quatro anos após a sua criação, ganhou novas perspetivas de análise?
Vhils [Alexandre Farto] - Todas as peças ganham novas perspetivas com o passar do tempo, mas estas dependem mais do público e das suas interpretações pessoais do que do artista que as concebeu. As ideias que deram origem a esta peça particular mantêm, a meu ver, a sua validade, mas a partir do momento em que uma peça é apresentada publicamente passa a pertencer às pessoas e cabe a elas dar-lhes um novo rumo e novas perspetivas de análise.
Qual é a sua interpretação deste projeto?
A ideia inicial foi de produzir uma peça em cortiça que fosse capaz de desenvolver uma reflexão que expressasse algo da relação fundamental de influência recíproca existente entre o ser humano e o meio onde trabalha. Neste caso em concreto, a indústria da cortiça e as pessoas que nela trabalham, sublinhando ainda a importância que elas têm tido no desenvolvimento do concelho e da sua identidade. A peça reflete também sobre o papel da indústria na economia e a falta de investimento de que o sector secundário tem sofrido em Portugal nas últimas décadas, junto com as consequências que este abandono tem tido nos indivíduos e populações que dele dependem. A ação de transporte da peça até ao edifício da Câmara Municipal, num cortejo por operários da fábrica, visou também envolver os próprios trabalhadores no processo, prestando tributo à sua atividade profissional mas também a importância do trabalho técnico na atividade artística.
‘Diorama Cork Faktory’ representou a sua estreia na cortiça. Foi um desafio trabalhar e esculpir esta matéria-prima?
Foi um desafio muito interessante. Como diz, nunca tinha trabalhado com cortiça e revelou ser uma das mais extraordinárias matérias-primas com que já trabalhei até hoje. Não só pelas potencialidades plásticas que apresenta, devido à sua maleabilidade, versatilidade, resistência e o aspeto e tonalidades extremamente interessantes que exibe, mas também por conter em si toda uma carga história, cultural e ecológica que nos fala do relacionamento íntimo e sustentável entre o ecossistema do montado de sobreiro, único no mundo, e as gentes que o trabalham e o mantêm vivo – do seu cultivo e extração à indústria transformadora. É um elemento intrínseco da identidade portuguesa.
Como é que se representa a identidade e o orgulho de um concelho numa peça com sete metros de altura?
Tentando refletir sobre alguns elementos fundamentais que contribuem para a formação dessa mesma identidade. Neste caso, como tínhamos a ligação à cortiça – tanto ao material em si, como a toda a indústria que se desenvolve com base nele – tínhamos em mão um desses elementos chave e foi com base nele que se desenvolveu a reflexão focada num rosto simbólico em representação da indústria toda. O fundamental era sublinhar a importância desta ligação entre as pessoas e o meio, a relação de influência recíproca que existe entre elas e que se encontra na base da sua identidade.
Está habituado a cravar retratos com uma forte carga simbólica e para este projeto escolheu o rosto de um trabalhador da cortiça. É um rosto abstrato ou de uma pessoa real?
É um rosto abstrato com base numa pessoa real, mas visa ser representativo de todas as pessoas que trabalham na indústria em particular, mas também no concelho em geral. Ou seja, não é um retrato de uma pessoa, é um retrato que representa todo este coletivo, que nos fala de todas as histórias pessoais que se encontram esquecidas por trás do trabalho que estas pessoas desenvolvem e a importância que têm tido para o desenvolvimento do concelho e da sua identidade.
Inspirou-se em que elementos para dar vida a este rosto?
Inspirei-me nas pessoas que conheci que trabalham na indústria e nas suas histórias, e nos retratos que tirei delas, assim como numa planta de umas das fábricas. O resultado é uma conjugação destes vários elementos.
É fácil esquecer os rostos de crava um pouco por todo o mundo?
Não, lembro-me de todos. Há uns que ficam mais presentes na memória devido às suas histórias pessoais, mas de forma geral lembro-me de todos.
O Imaginarius – Festival Internacional de teatro de rua – foi o mote para este projeto. As artes de rua em Portugal precisam de mais iniciativas deste género ou neste momento já existe maior sensibilidade para esta arte?
Já existe maior sensibilidade, interesse e acolhimento, quer por parte do público, quer por parte das instituições, mas iniciativas deste género fazem sempre falta. As artes valorizam em muito o património e a identidade cultural de um país. O investimento nestas áreas diz-nos muito sobre o modo como se valoriza este património.
Qual é a linguagem de rua do artista Vhils? É diferente da linguagem de Alexandre Farto?
Podemos dizer que a linguagem do Vhils é uma das linguagens do Alexandre Farto, mas o Alexandre Farto não se esgota no Vhils.
Quais são os projetos para 2017?
Tenho vários projectos muito interessantes em curso, mas prefiro divulgá-los assim que se revelar adequado.
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Artista de rua Vhils
Diorama cork factory
Diorama cork factory
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