Recuperação ecológica do Cabeço Santo: a semente de uma viagem espiritual Paulo Domingues

Recuperação ecológica do Cabeço Santo: a semente de uma viagem espiritual

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Em setembro de 2006 Paulo Domingues lançava à terra a primeira semente do Projecto Cabeço Santo que é hoje, provavelmente, um dos maiores trabalhos nacionais de recuperação e conservação da biodiversidade. Apostado em devolver à mata do Cabeço Santo, em Águeda, a ancestral vegetação derrotada por eucaliptos e acácias, o antigo aluno e professor da Universidade de Aveiro (UA), licenciado e doutorado em Engenharia Electrónica e Telecomunicações, lançou à terra na última década milhares e milhares de carvalhos, sobreiros, murtas, medronheiros e salgueiros.

Recuperação ecológica do Cabeço Santo: a semente de uma viagem espiritual

Antigo aluno UA – Paulo Domingues, licenciado e doutorado em Engenharia Electrónica e Telecomunicações

Paulo Domingues foi convidado para lecionar no Departamento de Física da UA.

Pela frente perfilava-se uma carreira académica brilhante tal como prometia a distinção e louvor com que terminou o doutoramento. Mas o coração tem razões que a própria razão desconhece.

Da viagem filosófica, holística e espiritual calcorreada até aos confins da alma, o jovem professor trouxe uma paixão pelo “palpitar da vida, com todas as suas maravilhas e mistérios” e uma vontade imensa de procurar “uma relação harmoniosa e plena de significado entre os seres vivos num ecossistema cultural” e de “explorar dimensões da existência inacessíveis à abordagem da ciência”. Assim, saiu da UA em 2005 e, um ano depois, fundou o Projeto Cabeço Santo (https://www.facebook.com/cabecosanto/ ) para, com a Quercus, a Altri Florestal, a Câmara Municipal de Águeda e muitos, muitos voluntários, recuperar a vegetação nativa do Cabeço Santo, na freguesia de Belazaima do Chão, numa área de intervenção que não andará longe dos 100 hectares.

Entretanto, foi sócio e colaborador nas empresas Solzaima e Permasolaris. A partir de 2017 ficou inteiramente dedicado ao projecto que fez nascer e à empresa que criou em 2016, a Quinta das Tílias, dedicada à conservação e à agricultura e fruticultura biológicas.

Tem abraçado nos últimos 11 anos a coordenação de um dos maiores projetos nacionais de recuperação ecológica de um território, o do Cabeço Santo. Que grande paixão é essa à natureza que o levou a deixar para trás uma carreira académica para se dedicar de alma e coração a esse projeto?

Penso que veio muito da tomada de consciência, aí pelos meus vinte e poucos anos, do estado e do processo de degradação da paisagem que me rodeava, devido aos excessos e à falta de cuidado em torno da atividade da exploração florestal do eucalipto. Recebi bastante inspiração da Quercus, à qual aderi quase no seu início, mas na verdade quando aderi já essa questão me apoquentava. Em 1990 comecei a fazer trabalho de campo em terrenos de família, mas de uma forma bastante incipiente, pois não tinha experiência nem formação na área. Mas foi a semente.

Uma semente que germinou e não parou de crescer…

Daí para a frente, quase posso dizer que, de ano para ano, esse trabalho não parou de aumentar. Por isso não tinha tempo para ter um trabalho ‘normal’ a tempo inteiro! Entretanto, começou também a germinar a ideia da quinta biológica. Tudo à volta da necessidade de praticar uma relação com a natureza mais harmoniosa e sustentável (do que ocorre com a agricultura convencional). Mas também esta ideia levou tempo a lançar raízes. De tal maneira que só este ano estou totalmente dedicado a ela.

Entretanto nasceu o Projecto Cabeço Santo.

Pelo meio, o lançamento do Projecto Cabeço Santo, surgiu como uma necessidade “óbvia”, na sequência do grande incêndio de setembro de 2005. Já visitava periodicamente as áreas não cultivadas do Cabeço Santo e pareceu-me essencial fazer algo para proteger essas mini-reservas biológicas onde tantas espécies podiam ser observadas, e que fora dessas pequenas ilhas de biodiversidade estavam praticamente ou totalmente ausentes. Com o tempo, o projeto foi-se expandindo para além dessas áreas originais, também de maneira totalmente óbvia, com a criação dos “corredores ecológicos” ao longo dos vales e do ribeiro, unindo núcleos maiores, onde foi possível criá-los…

Que grandes objetivos tem este projeto?

Os objetivos são vários:

1) Em primeiro lugar, que nas áreas de intervenção se consiga uma efectiva re-naturalização, com remoção das espécies exóticas e invasoras e a sua substituição por autóctones, criando-se ecossistemas que, se não completamente autónomos e auto-sustentáveis, o sejam com um mínimo de esforço de gestão e manutenção. Este objetivo ainda está longe de ser atingido.

2) Que se consiga atingir o objetivo anterior com custos de intervenção o mais baixos possível, pois os recursos são sempre escassos.

3) Que o projeto seja um exemplo do mínimo que seria desejável atingir na paisagem mais larga essencialmente devotada à produção de eucalipto, em termos de compromissos entre conservação e produção.

4) Que seja possível praticar e demonstrar formas de usufruto (humano) da paisagem que sejam exemplos de ecossistemas culturais. Este não é tanto um objetivo do Projecto, que não tem propósitos produtivos, mas do meu próprio projeto de Quinta, a Quinta das Tílias.  

Como gostaria de ver o Cabeço Santo daqui a umas décadas?

Como eu gostaria que ele fosse idealmente, como aliás toda a paisagem, é uma ideia inatingível no espaço de uma ou mesmo várias gerações. Mas gostaria ainda de viver o suficiente para ver pelo menos as áreas que estão devotadas ao Projecto, e mesmo mais algumas que eu penso que será possível adicionar nos próximos anos, num estado suficientemente maduro de evolução para uma ocupação paisagística e ecologicamente valiosa.

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Ondas da Serra

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