Passe as noites no Parque das Ribeiras do Uíma com a companhia dos pirilampos
É pena que nem todas as pessoas possam fazer esta visita, embarcar numa "nave espacial" para acederem ao Cosmos, e a partir de uma pequena escotilha apreciar o planeta azul destacando-se no vazio. Os poucos que tiveram o privilégio de partir nesta aventura revelaram que nunca mais foram os mesmos. A Terra, a nossa casa, continua a ser tão maltratada... Há um esforço por parte das entidades oficiais no sentido de consciencializarem o ser humano para as questões ambientais, mas o tempo urge... Ainda haverá tempo para alterar o rumo das coisas? Vamos acreditar que sim! Em Santa Maria da Feira estão a fazer um trabalho meritório no Parque dos Ribeiras do Uíma. O “ONDAS DA SERRA” participou numa ação de observação dos pirilampos (vaga-lumes) e dá-lhe algumas luzes sobre o que está a acontecer naquele lugar mágico.
As observações noturnas dos pirilampos no Rio Uíma - Fiães - Santa Maria da Feira
Durante este mês, vão ser feitas algumas ações pontuais para observação destes curiosos insetos no meio da escuridão, enquanto os machos cortejam as fêmeas. Os humanos, os mais românticos, jantam à luz das velas, os vaga-lumes têm a luz no próprio corpo.
Esta visita realizou-se na noite de 2 de junho. Fomos recebidos pela Engenheira da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, Marina Rodrigues, e pelo biólogo Justin Pereira. A engenheira fez uma apresentação do parque e o biólogo foi o nosso guia. Pelo caminho, Justin explicou a miúdos e graúdos algumas das facetas da vida destes pequenos insetos.
Descrição da noite de observação dos pirilampos ou vaga-lumes
Esta "viagem" teve início ainda no crepúsculo, mas à medida que a luz se ia apagando iam surgindo cada vez mais pontinhos luminosos, os simpáticos pirilampos. A dada altura, no meio da escuridão total, fomos cobertos por milhares destes insetos, cujas luzes cintilavam. Parecia um cenário surreal, uma cena do filme "Avatar", de James Cameron. Eram tantos os vaga-lumes que um dos jovens visitantes ficou com os cabelos carregados destes bichinhos voadores.
Nenhuma máquina artificial consegue transmitir a magia destes momentos únicos, instantes que urge preservar. Todos temos o dever de fazer algo para preservar esta nossa Casa, estes nossos tesouros, para que as futuras gerações também possam viver e desfrutar estes momentos inolvidáveis.
As crianças vibravam com o espetáculo. Com ajuda do camaroeiro foram apanhando alguns insetos, que inteligentemente se faziam de mortos para escapar à prisão. Mas podiam estar descansados, porque depois de estudados eram devolvidos à liberdade. No final da visita conversámos com os dois responsáveis.
Entrevista com a Engenheira Marina Rodrigues
Marina Rodrigues, engenheira de formação, trabalha no Gabinete do Ambiente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira.
Pode falar-nos um pouco sobre este Parque das Ribeiras do Uíma?
O Parque das Ribeiras do Uíma foi criado para reabilitar um troço do rio Uíma, com cerca de dois quilómetros e meio. Esta zona especifica é muito rica e aqui afluem várias ribeiras, tornando este local com caraterísticas de zona húmidas e com ecossistemas muito ricos, por esta razão se chama Parque das Ribeiras do Uíma.
O objetivo deste parque foi preservar esses ecossistemas e as espécies que aqui habitam ou podem habitar. A intervenção foi realizada para ir ao encontro desses objetivos.
Uma das componentes da reabilitação foi a questão ambiental, fazer um levantamento da fauna e flora, saber o que existia para preservar e potenciar outras espécies caraterísticas destes locais e que pudessem vir para aqui.
Depois temos a questão social que era permitir às pessoas usufruírem deste espaço, para isso foi criado este percurso pedonal.
Este local esteve abandonado durante muitos anos, era muito utilizado na década de 60/70, depois deixou de o ser porque os campos agrícolas foram abandonados. Com esta reabilitação as pessoas puderam voltar a utilizar este local.
Depois temos a questão económica que fecha todo o ciclo da sustentabilidade, que é tentar criar um parque que tenha o mínimo de manutenção possível, não temos aqui relvados para jogar futebol, isso não existe aqui. O que existe é um local que se quer o mais natural possível, queremos que a natureza esteja em equilíbrio, fazemos intervenções pontuais para deixar que a natureza se desenvolva de forma que os ecossistemas estejam equilibrados e tentar que as pessoas intervenham o mínimo possível, mas que consigam usufruir do local.
Ele foi desenhado com a perspetiva destas várias vertentes conjugadas e equilibradas. Neste parque as pessoas podem usufruir do espaço duma maneira diferente, porque a ideia é puderem ouvir a água, o cantar das aves, observar a natureza, as borboletas e como esta noite virem observar pirilampos. É um usufruir da natureza diferente daquela que muita gente está habituada num parque urbano.
Tem havido um bom entrosamento do parque com as pessoas que residem em seu redor?
Sim, uma das preocupações desde o inicio do projeto foi a vertente social, mesmo antes do projeto ser implementado nós fizemos aqui em Fiães sessões publicas, para mostrar e dar a conhecer às pessoas o projeto de forma a envolver a população que é uma peça fundamental do mesmo.
Este parque não tem vigilância e está sujeito ao vandalismo. Aqui não há um guarda todos os dias, mas temos dezenas de guardas porque a população acarinhou o projeto e tomou o espaço como seu e são o seu guardião, quando acontece alguma coisa elas avisam-nos.
Já tiveram então problemas graves de vandalismo?
Sim já tivemos e temos constantemente, principalmente as madeiras partidas dos passadiços. Ainda há pessoas que não tem essa consciência mas é um caminho. O objetivo é ser persistente para que isso seja cada vez menor.
Em relação à atividade desta noite onde estivemos a ver os pirilampos, na apresentação foi-nos dito que fazem estas ações pontuais com poucas pessoas para não prejudicar o parque, que outras atividades fazem durante o ano?
Temos uma ação principal que é inserida no plano educativo municipal onde as escolas se inscrevem e podem vir aqui ao parque fazer sessões de “Birdwatching para miúdas de palmo e meio”. Este ano temos cerca de 800 alunos em 36 sessões nesta atividade que se iniciou em meados de abril e se prolonga até ao final de junho que é altura ideal para observar aves.
Temos pontualmente atividades de escolas ou associações. Por vezes também nos pedem uma visita guiada ou algum apoio. Temos também as universidades, nós para repor as margens utilizamos técnicas de engenharia natural e temos um mostruário de técnicas que foi mesmo testado por uma pessoa que está a fazer doutoramento. Às vezes vêm aqui grupos das universidades ver na prática o desenvolvimento das técnicas que estudam.
O ano passado tivemos outras ações, observação de borboletas e libelinhas, este ano não fizemos essas ações porque tivemos pouca adesão. Este planeamento de ações é dinâmico porque nós não podemos prever logo em dezembro em que altura é que vamos fazer os pirilampos porque depende se eles estão aqui no inicio do mês. Quando chega altura é que vemos quais são as melhores datas.
Em termos de evolução do parque para que caminho querem ir?
Neste parque o objetivo é chegar a um equilíbrio que ainda não foi atingido, prevemos que talvez o consigamos daqui a cinco anos. Pretendemos com a manutenção adequada, feita de forma cirúrgica e de acordo com cada um dos locais, chegarmos a um ponto em que não seja quase necessário intervir.
As nossas intervenções são feitas muito pontualmente e com objetivos muito concretos, não chega aqui dois homens com uma roçadeira e cortam um metro de cada lado. As intervenções são feitas de acordo com um plano e que não é igual para todo o percurso. Em termos de município está a ser feito um projeto para este percurso ter continuidade até às Caldas de São Jorge, num percurso continuo, sempre junto ao Rio Uíma.
Entrevista com o Biólogo Junstin Pereira
Ondas da Serra esteve também à conversa com o biólogo Junstin Pereira, natural de Africa de Sul, formado nesta área na Universidade de Coimbra. Foi ele que durante o passeio foi dando explicações sobre os pirilampos, as diferentes espécies, táticas de sobrevivência, acasalamento e ciclo de vida.
Este defensor da natureza levou consigo um pequeno camaroeiro que emprestava as crianças para recolherem os insetos sem os ferir e que depois de estudados eram devolvidos à natureza. O mesmo trabalha para várias entidades, como o zoo de Lourosa e a Câmara de Santa Maria da Feira.
Pode falar-nos um pouco sobre esta atividade que acabou de fazer aqui no parque?
Esta visita que fizemos basicamente serviu para mostrar às pessoas a importância da conservação da natureza. Porque uma vez conservada e estando minimamente intacta sem a intervenção do homem conseguimos ver várias coisas, nomeadamente nesta altura do ano os pirilampos. Porque é sempre engraçado ver a reação dos mais pequenotes e não só também a dos adultos.
Porque aqui existe uma grande concentração de pirilampos, visto esta ser uma zona que está um pouco livre dos maus tratos dos humanos.
Esta grande concentração de pirilampos para se reproduzirem só acontece nesta altura do ano?
Sim, porque é nesta altura do ano que existem pirilampos adultos, o resto do ano estão em larvas. Neste parque temos basicamente uma espécie que é Luciola lusitânica, onde ambos os sexos são alados e têm asas e nesta altura conseguimos vê-los a esvoaçar de um lado para o outro.
Que importância tem este local para o ambiente e preservação das espécies?
Nós temos aqui uma espécie de “out spot”, não só de insetos mas também de mamíferos e aves. É importante principalmente porque estamos relativamente próximos da cidade e isto acaba por ser um refugio para a fauna conseguir sobreviver a uma zona tão urbanizada como começa a ser o concelho da Feira.
Estes pirilampos têm algum problema de conservação?
Têm, eles são muito sensíveis a alterações climáticas, à poluição luminosa e precisam da escuridão para poder haver comunicação entre machos e fêmeas. Nós temos também uma grande agravante que são os pesticidas que acabam por dizimar a fonte de alimentação dos juvenis dos pirilampos.
Durante a visita podemos constatar a importância terem um grande conhecimento da vida destes insetos, porque nesta altura não é conveniente cortar as ervas altas para eles se poderem reproduzir.
Exato! Por vezes nesta altura começam a haver os incêndios e tudo o mais, sendo feita a limpeza das matas. De facto, esta não é a melhor altura para o fazer porque eles precisam da vegetação nativa um bocadinho alta para principalmente as fêmeas colocarem-se no topo das folhas para conseguirem comunicar com os machos.
Os pirilampos são conhecidos pela sua luz que tem a função no acasalamento, pode explicar-nos o seu processo?
Exatamente, o macho está a cintilar, normalmente nesta espécie as fêmeas ficam sentaditas à espera numa folha, num tronco ou no solo. Se veem um macho com um cintilar especialmente interessante elas apontam a lanterna de volta para o macho como se fosse uma piscadela e há assim uma comunicação, sendo assim que eles arranjam parceiros.
Pode elucidarmos sobre o ciclo de vida deles?
Eles passam um ou dois anos em forma larvar, durante esse período a sua única função é comer e crescer, depois disso passam à fase de pupa que demora sensivelmente cerca de duas semanas, passando depois para adultos em que vivem relativamente pouco tempo porque a única função dos adultos é reproduzir a próxima geração de pirilampos.
Em que é que as pessoas podem contribuir para a sua conservação?
Não usar pesticidas, ter atenção à poluição em geral, os incêndios também estão a contribuir não só para diminuir os pirilampos, mas também outros seres vivos. Portanto coisinhas pequeninas que toda a gente pode fazer como deixar de poluir ou não usar a eletricidade quando não precisamos dela, principalmente há noite ou usar menos produtos descartáveis como o plástico.
O senhor que é biólogo diga-nos se acha que esta forma de educação que está a ser feita junto dos jovens e adultos está a contribuir para aumentar a consciência ambiental para a preservação da fauna e flora?
Sim, sem dúvida, a parte da educação ambiental deve ter cada vez mais um peso não só na formação dos jovens, mas também dos adultos para mudar mentalidades porque se nós conseguirmos alertar que bastava mudar um bocadinho a nossa rotina que isso tinha um grande impacto no planeta.
E assim terminamos esta visita que nos alertou que há criaturas muito sensíveis aos desatinos do homem e que ainda há tempo para salvarmos o planeta e podermos viver momentos mágicos como este. Não podemos colocar tudo nas mãos dos outros, dos governos ou organizações, as pequenas ações individuais têm muita força em termos globais, como disse o biólogo Justin Pereira.