Deolinda Silva | A pequena dos chapéus Deolinda Silva no Museu da Chapelaria em São João da Madeira
sexta, 06 outubro 2017 13:35

Deolinda Silva | A pequena dos chapéus

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Ondas da Serra esteve à conversa em São João da Madeira com Deolinda Silva, conhecida na terra carinhosamente pela “Pequena dos Chapéus”. Mas Deolinda já não é pequena, tem 64 anos de idade, mas ainda trabalha nos chapéus. Esta senhora é natural e residente desde sempre em Casal Novo – Cucujães, tem dois filhos e um casal de netos. Deolinda é do tempo em que as coisas eram mais imutáveis, os empregos, residências e famílias. Nós fomos ter com ela à antiga fábrica “Empresa Industrial de Chapelaria”, onde atualmente funciona o Museu da Chapelaria, para nós ajudar tínhamos à nossa espera Joana Galhano.

Entrevista a Deolinda Silva | Antiga trabalhadora da chapelaria

Deolinda Silva no Museu da Chapelaria em São João da Madeira

Deolinda Silva começou a trabalhar com 10 anos

O primeiro trabalho de Deolinda foi precisamente nessa antiga fábrica, faltava-lhe um mês para fazer 10 anos. Tinha acabado de fazer a 4 classe no longínquo ano de 31 de julho de 1963. Os seus pais ali trabalhavam e se conheceram, tendo sido progenitores de 11 filhos. Como era costume na época para ajudar a família, Deolinda começou a trabalhar com tenra idade. Ainda se lembra do seu primeiro salário, sete escudos e cinquenta centavos.

O que custava muito naquele tempo a todos os trabalhadores era laborar pela hora inglesa. De segunda a sexta-feira, a “jorna” era das 08h00 às 18h00 e ao sábado das 08h00 às 11h00.

A sua primeira tarefa foi na costura e devido à tenra idade e corpo franzino, logo lhe começaram a chamar “A pequena dos chapéus”. As décadas foram passando e o nome ficando e são poucas as pessoas em São João da Madeira que não a conhecem por esse apelido.

Quando era ainda uma menina, os dedos eram pequenos para segurarem um dedal, por isso não podia forrar os chapéus e ficou na costura. O seu primeiro trabalho foi fazer uns lacinhos que formavam as etiquetas dos chapéus e as senhoras mais velhas coziam. Esta etiqueta impedia de fazerem o chapéu ao contrário.

Trabalhou cerca de 30 anos na fábrica até ao seu encerramento

Trabalhou cerca de 30 anos na fábrica até à mesma encerrar. Os primeiros 18 foram passados na costura e os restantes 12 na parte fabril. Os últimos anos passados na chamada afinação dos chapéus foram os mais duros. Por incrível que pareça foi a televisão que influenciou esta passagem para este setor. Naquele tempo foi transmitido na RTP1, uma série que ficou para a história “Dallas”, o vilão de apelido “JR” usava um grande e majestoso chapéu de vaqueiro, que aliado à sua alta figura, lhe emprestava um ar duro. A série também fez sucesso nos Estados Unidos da América, originando um incremento extraordinário de chapéus deste tipo na fábrica para serem exportados. O problema foi que a unidade de produção (afinação), não tinha homens suficientes para responderem aquele aumento repentino de trabalho. Foi por esta razão que administração foi buscar algumas mulheres para ajudar.

Relembra que as condições de trabalha na costura em boas, mas na “afinação”, “fulas” e “semusagem” eram más. Era trabalho de homens e mesmo assim não era para todos, a empresa colocava cartazes a pedir trabalhadores. Muitos dos que aceitavam começam pela manhã, mas já não regressavam à tarde.

O tempo em todos usavam chapéu

Naquele tempo o chapéu era um artigo obrigatório de vestuário, ninguém passava sem ele. Nenhum homem entrava na fábrica sem estar coberto. O porteiro zeloso do seu trabalho fiscalizava esta regra da etiqueta, mas tinha sempre um chapéu para emprestar a quem se esquecia a troco duma gorjeta de 25 tostões. Também era proibido a todos entrarem descalços, mas neste aspeto não havia esquecimentos.

A antiga fábrica fechou porque quando eram os “velhinhos” havia muito dinheiro, ela foi andando de família em família, quando chegou às mãos dos netos eles quiseram vendê-la. A mesma foi adquirida por um grande grupo, que pretendiam fazer apartamentos na sua estrutura. Mas como o município não autorizou eles venderam à Oliva que fechou tudo. Mais tarde o município readquire o espaço onde instalou o atual museu.

A tristeza que sentiu quando a fábrica morreu

Quando a fábrica fechou ela sentiu uma tristeza muito grande, chorou e durante muitos anos nem lá perto conseguia passar. Disse ter “vindo com uma mão à frente e outra atrás”, só trouxe os chinelos e uma batita. Naquele fatídico dia ao chegar junto da linha de comboio do Vale do Vouga, olhou uma última vez para trás e não conteve as lágrimas, porque foram 30 anos que tinha passado naquela casa. Mas naquele dia as lágrimas verteram de todos os trabalhadores que tiveram porventura consciência que não se estavam a despedir só dos amigos, mas também da vida passada, da sua juventude e a entrar numa nova era.

Depois de sair daquele trabalho com 43 anos, não foi logo trabalhar para o museu, andou 10 anos por outras ocupações, recusou umas bombas de combustível e começou a fazer trabalhos domésticos. Quando abriu o museu foi fazer à entrevista com mais sete ou oito pessoas, tendo ela sido uma das escolhidas.

O regressou à fábrica transformada em museu

Quando regressou ao museu num sábado, não foi bem aquilo que tinha imaginado. Entrou por uma porta lateral e ficou “muito sopapada” porque aquilo não era a fábrica, tinha sido transformada num museu. Diz que até lhe faltou o ar porque pensava que o museu era a própria fábrica, mas enganou-se. Por outro lado, quando a fábrica estava aberta, recorda aquelas ruas cheias de povo, empregados a sair e a entrar, casais a namorar. Como nesse dia viu o museu sem chama, tanto no interior como no exterior, esteve quase para vir embora. Mas lá ficou e começou a gostar porque afinal era o trabalho da sua infância.

As tarefas que executa no museu são: fazer as visitas guiadas, acabar e restaurar chapéus e também limpar o espaço.

Deolinda Silva já tem em seu poder os papéis da reforma

Diz que já tem em sua posse os papéis para a reforma e vai fazê-lo porque já tem 50 anos de descontos e quer ter mais tempo para a família, em particular os seus netos Samuel Silva e Leonor Silva, com 15 e 3 anos de idade respetivamente. Há responsáveis municipais que não querem mas ela disse estar cansada e querer um pouco mais de tempo para si e libertar-se do horário. Pode até vir ajudar numas visitas, mas sem estar amarrada ao relógio. Quer viver um bocado a sua reforma e dar atenção e apoio aos seus meninos que são uma riqueza.

No final da conversa ao percorrer as instalações, ela ainda foi a tempo de com os seus olhos apurados observar que uns chapéus colocados no chão do primeiro andar, para serem manipulados pelos visitantes estavam desordenados e apressou-se arranjá-los.

É uma mais valia o museu ter nos seus quadros antigos trabalhadores porque eram eles que faziam parte da alma da antiga fábrica e quem pode contar aos visitantes, alguns factos e passagens que de outro modo se perdiam no tempo.

Leiam também os nossos artigos sobre o "Museu da Chapelaria", situado na antiga "Fábrica Industria de Chapelaria" em São João da Madeira onde esta antiga funcionária laborou e "O calçado português em São João da Madeira".

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Ondas da Serra

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