Rostos de Vale de Cambra
É pena vermos estes locais apenas povoados por idosos, muitos deles desgostosos pelo abandono a que são sujeitos e a desertificação do interior. Os incêndios do verão passado vieram tornar ainda mais negros estes locais. Não se ouvem os gritos e algazarras das crianças, os jovens há muito que partiram para outras paragens. Por todas estas razões aqui fica o nosso testemunho e agradecemos as pessoas que quiseram partilhar connosco as suas experiências. A analise do trilho e a publicação do vídeo ficaram para outros artigos.
José Augusto Tavares
Fomos encontrar o pastor José Augusto Tavares com 71 anos de idade, residente na aldeia de Felgueira, freguesia de Arões, a sair com o seu rebanho do curral para pastar. Para o ajudar na sua tarefa era acompanhado pelo seu cão de nome “Fiel”, que já o acompanha há cerca de cinco anos. Os animais aproveitando a presença da nossa equipa e a distração causada momentaneamente, inteligentemente aproveitaram para seguir por um caminho que mais lhe agradava, fazendo o pastor correr para as fazer retornar. O seu cão durante aquele distúrbio vendo-se sozinho, colocou-se autoritário e firmemente no caminho a ladrar impedindo a nossa passagem. Respeitamos a sua postura e esperamos pelo regresso do dono.
Perto do meio dia têm de regressar para almoçar, basta ele dizer “Vamos embora” para o animal compreender e ir atrás das ovelhas e morder o rabo às que não obedeçam prontamente.
Quando lhe perguntam nas cidades que rodeiam à sua aldeia como São João da Madeira a sua profissão, diz com muito prazer que é pastor o que é recebido com alguma estupefação. O seu rebanho é composto por 41 cabeças de gado e outras que por terem parido ficam no curral. Disse não ser aconselhável trazer as crias logo para pastar, só passados 15/20 dias.
Tem esta atividade como passatempo e para o ajudar na sua pequena reforma porque a sobrevivência nas aldeias é difícil.
Trabalhou como negociante de madeira e emigrou algum tempo para França. Ele e outros 6/7 homem das aldeias vizinhas, foram a salto por Vilar Formoso em 1964, mas alguém os denunciou em Vale de Cambra e foram presos na fronteira. Havia passadores de ambos os lados da raia que conheciam os caminhos, mas quando chegaram ao local estava lá a PIDE que os prendeu durante uma semana. Tiveram que arranjar advogados e foram julgados na cidade da Guarda.
Combateu na guerra do Ultramar durante três anos, mais concretamente em Angola no grupo de artilharia contra aeronaves e nos paraquedistas. Esteve sob fogo várias vezes e pelo menos cinco colegas seus perderam a vida.
Um dos problemas que enfrenta no seu rebanho é os ataques dos lobos, que no passado lhe mataram cinco cabeças de gado e três desaparecidas, causando-lhe mais de mil euros de prejuízo, tendo recebido apenas cento e vinte e seis euros indeminização pelo estado. Das noticias que tem ouvido o lobo está mais centralizado na Serra da Freita, onde ele ouve mais pastores a queixarem-se.
Na sua opinião o lobo tem o direito de viver e atacar porque tem fome. Apesar de ter dois cães de guarda, há pouco tempo os lobos atacaram o rebanho pela retaguarda. Na sua aldeia existem também um outro pastor de vacas.
Cipriano Tavares Almeida
Depois de deixarmos o pastor na normalidade com o seu rebanho, tivemos que retorcer para voltarmos ao percurso pedestre e fomo-nos aproximando dum barulho que perturbava o silencio reinante.
Ali perto Cipriano Tavares Almeida, com 88 anos, apresentando-se numa forma invejável e munido duma roçadeira cortava erva para as suas duas vacas. Trabalhou sempre na agricultura, nunca abandonando a sua aldeia de Felgueira, embora tenha tido uma experiência de meia dúzia de anos em França. Tem quatro filhos que vivem em França, Pinheiro Manso, Lisboa e Vilar.
A sua esposa ainda lhe faz companhia, mas já tem pouca mobilidade. Lá deixamos este homem entregue às suas tarefas que a idade parece não quebrantar.
Maria Custodia
Num dos caminhos que dá acesso à parte antiga da aldeia de Felgueira, fomos encontrar a descansar contra um palheiro Maria Custodia, com 91 anos de idade que observava em frente funcionários da Camara Municipal de Vale de Cambra a trabalhar na estrada com ajuda duma retroescavadora. Do alto da sua vigia também conseguia ver num terreno em baixo o marido a preparar a terra para semear batatas.
Sempre viveu em Felgueira e trabalhou na lavoura, andava ao “Jornal” como se dizia na altura na altura às pessoas que eram pagas por proprietários para trabalharem as terras. Quando lhe perguntamos o que achava da criação de animais disparou prontamente “As cabras é só para darem trabalho”.
Manuel Joaquim Almeida
O marido da Maria Custodia disse chamar-se Manuel Joaquim Almeida, com 84 anos de idade, que varria o entulho de uma terra para semear batatas. Também trabalhou durante quase toda a sua vida na agricultura, tendo estado 10 anos em França a trabalhar nas obras das estradas.
António Batista
Depois deixarmos a parte antiga da aldeia de Felgueira fomos encontrar em Carvalhal do Chão, António Batista da Costa, com 69 anos de idade, a regar o seu cebolo com ajuda da esposa que enchia os regadores numa fonte ali perto e na estrada junto ao terreno os passava por cima do muro.
Antes da reforma trabalhava na construção civil, na construção de prédios como pedreiro e trolha, ajustando casas à porta fechada. Esteve algum tempo no estrangeiro, mas como não teve sorte regressou à terra natal.
Faz criação de coelhos e ovelhas e tem um cão de guarda da raça lavrador para os proteger.
Homem idoso
Duma forma geral as gentes destas serras são abertas e falam com facilidade com estranhos, embora nos tempos modernos nem todas as pessoas sejam bem-intencionados. No nosso trajeto fomos encontrar um idoso em Vilar de Cepelos, que subia uma ladeira em granito com dificuldade. As pernas apresentavam-se curvadas com o peso da idade e socorria-se duns paus para o ajudar a caminhar. Esta parte do percurso foi penosa de fazer, porque as povoações do vale eram cercadas por montes que os incêndios devastaram e o negro predominava.
Não quis dizer o nome, mas depois das reservas iniciais começou a falar abertamente não se importando de aparecer nas fotografias.
Este ancião com 88 anos, deu-nos o seu testemunho com a voz tremula e foi notório a sua revolta com o estado atual da sua terra dizendo que tudo estava mal, antigamente é que era uma alegria e um paraíso.
Depois do 25 de abril começou tudo a piorar, antes existia mais arvorado à volta das aldeias, mais gente, canalha e gado. As serras tinham grandes rebanhos de cabras e ovelhas que ajudavam nas limpezas, havia liberdade para as vender e comprar.
Muitas pessoas emigraram para a França, Alemanha e Suíça, foram-se todos embora, ficando apenas os velhos. Nesta aldeia só existe uma criança com 11 anos de idade.
Disse também ter estado emigrado algum tempo na Suíça. Em agosto regressam muitos emigrantes a esta terra para os festejos da Nossa Senhora da Viagem. Os incêndios que devastaram esta região aconteceram no verão passado em três locais diferentes e como esteva um dia de vento foi um pandemónio, viveram momentos de aflição com as chamas perto das casas.
António Joaquim Tavares Quintal
Continuando a nossa viagem falamos com António Joaquim Tavares Quintal, com 82anos de idade, que sentado numa cadeira que dava acesso ao pátio da sua casa, nos explicou que antigamente nas terras daquele vale se cultiva milho e lavraram as terras com ajuda de vacas da raça Arouquesa. Por esta razão o local tinha uma grande concentração de espigueiros, atualmente muitos deles estão em ruinas e a cair.
Depois da apanha do milho o povo juntava-se para fazerem grandes desfolhadas. Havia aquela moda antiga que a quem saísse um milho-rei dava beijos nas raparigas. Mas havia quem os semeasse nas terras para os levar escondidos e “roubar” os beijos. Sempre viveu em Vilar de Cepelos e trabalhou também em França uns 11,5 anos e algum tempo em Lisboa.
É natural da aldeia de Viadal mas casou em Vilar de Cepelos. Por estas redondezas não nascem crianças há muito tempo, só restam os velhos. Por vezes andam por ali uns rapazes de bicicleta que são filhos de um policia da terra e que trabalho nos Açores, netos dum primo dele.
António Paredes Lopes
Em Viadal, encontramos António Paredes Lopes, com 63 anos de idade, natural de Valadares – São Pedro do Sul, com a sua enxada a trabalhar a terra.
Disse que antes da reforma trabalhava na Câmara Municipal de Vale de Cambra e que estava a preparar um pequeno terreno para o cultivo do milho para o gado, atualmente já não fazem broa preferem ter menos trabalho e comprá-la nas padarias.
A terra que estava a trabalhar é dum vizinho seu que está em França. Disse criar gado, cabras, “pitos”, em maio/junho com os meus rapazes compram perus para criar. Depois dos incêndios será difícil criar-se árvores grandes como as que existem em Vilar, o que aconteceu foi um crime o fogo veio mesmo até perto da paragem das camionetas.
O fogo de agosto do ano passado, começou na Castanheira e se tivesse sido logo apagado não tinha evoluído tanto. A partir do dia 6/7 agosto começou a tomar grandes proporções. Em todos os anos que vive no local, o fogo nunca tinha passado como dessa vez uma ribeira que existe no fundo do vale. Todas as leiras e vinham arderam nessa encosta.
Fernanda de Sousa
Nas andanças pelas serras e caminhos no nosso distrito, raramente se encontra um local para comprar algo para comer ou beber, felizmente que desta vez foi diferente. Encontrarmos aberto em Viadal o café Alquebe, mais conhecido pelo “Café da Rola”, tendo sido atendidos pela proprietária, Fernanda de Sousa, com 60 ano de idade.
A mesma explora este estabelecimento há 26 anos. Disse ter muitos clientes e gostar que aparecem novos. Esta aldeia terá cerca de 40 moradores. Tem três filhas, duas já casadas com filhos e a mais nova estuda em Coimbra contabilidade e gestão. Uma das filhas vive e toma conta do hotel de Trebilhadouro em Fuste, onde existe o PR4 que está também muito queimado. A filha do meio trabalha nos correios.
A Fernanda de Sousa ao saber que a nossa equipa era de Ovar, foi chamar ali perto um dos naturais da aldeia que vive e trabalha em Ovar, conhecido por Jorge Canalizador por nós conhecido e a paragem que era para ser rápida, por bons motivos demorou um pouco mais.
Acabamos o trilho como começamos à conversa com o pastor José Augusto Tavares.
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