Sob o olhar do Senhor Plácido…
Entrevista a Manuel Faria Plácido Resende, da conhecida casa Plácido na Feira
“Boa Tarde Senhor Plácido, podia responder a algumas perguntas sobre a sua história?”. Por detrás do balcão da sua mercearia e sem conhecer quem o questionava, o famoso feirense acedeu prontamente ao pedido sem hesitar. “Andei a estudar até aos 19 anos e acabei por fazer o 7º ano do liceu. Tive o azar de ser filho único e como o meu pai tinha a maior casa comercial da terra acabei por vir parar aqui”, confessa. Localizada perto da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, a Casa Plácido é uma mercearia centenária surgindo em terras feirenses em 1875. “Foi o meu bisavô que abriu esta loja. Estão aqui várias gerações e tenho a sensação que é uma espécie de testemunho que me foi passado”, realça.
As suas paixões
Viciado em banhos de multidão, como o próprio refere, a sua vida está ligada ao estabelecimento comercial mas a pintura e a fotografia são a sua grande paixão. “A fotografia é uma prima muito próxima da pintura. Considero a fotografia como a parente plebeia e a pintura como parente nobre. São dois mundos que se complementam. Em 1949 comprei a primeira máquina fotográfica. Fui logo a correr ao castelo e tirei uma fotografia apontada aqui para baixo. Ainda tenho essa fotografia e fico perplexo, porque Santa Maria da Feira era uma única rua. Se for ao castelo hoje, tenho que torcer o pescoço em 360º”, explica.
Ainda no mundo das artes, Plácido Resende confessa ter outra predilecção, a música. Estudou piano durante 8 anos e teve a honra de ser um dos fundadores da Academia de Música da cidade fogaceira. Em jeito de confissão, admite ter sido amigo de Arthur Rubinstein, aquele que considera o maior pianista do mundo. “Carreguei com a mala dele por três vezes, do teatro Rivoli até ao Hotel Infante Sagres. De maneira a que minha vida está muito ligada à música, ocupou uma grande parcela da minha vida”, remata.
Figuras que o marcaram na história de Santa Maria da Feira
Assistiu à Segunda Guerra Mundial, à Guerra Civil de Espanha, viveu o 25 de Abril, por isso nada melhor que o próprio para ilustrar quais as figuras feirenses que o marcaram ao longo da sua vida. Domingos Caetano de Sousa, antigo Presidente de Câmara de Santa Maria da Feira e médico, representa para o Senhor Plácido alguém que deu tudo pelos feirenses.
“Foi um individuo que durante os anos que estive na Misericórdia, ele trabalhou imenso para o Hospital e era 100% feirense onde deu milhares de consultas gratuitas a quanta gente havia, a começar por mim. Outra referência recordada é Vaz Ferreira. Romancista, historiador, ministro, governador e amigo pessoal do Rei D. Carlos. “Lembro-me também de outro grande feirense, o Dr. Roberto Vaz de Oliveira, meu grande amigo. Fui eu que tirei as fotografias para ilustrar os livros dele”, refere. Ainda alusivo às suas memórias, considera o Dr. Belchior como figura proeminente da terra e recorda Henrique Veiga Macedo, antigo ministro de Salazar. Para terminar esta onda de figuras emblemáticas do concelho da Feira, o comerciante recorda o seu amigo e colega pintor, António Joaquim Ferreira, pela qual nutre um grande carinho resultado da sua grande amizade com o mesmo.
O dia de saborear a fogaça
Dia 20 de Janeiro vive-se uma tradição que é respeitada pelas gentes da terra. Denominada Festa das Fogaceiras, a cidade pára neste dia e assiste a um momento de festa assinalada com um feriado que é marcado por uma procissão. “É uma festa interessantíssima que honra a terra e que se torna num pólo de atracção sobretudo para quem vive no concelho”, defende. O prestigiado feirense viveu maior parte destes acontecimentos com uma máquina fotográfica na mão onde registou todos os pormenores.
Imbuído no espírito fogaceiro e fortemente enraizado nas suas origens, não deixa de fazer um alerta. “Se este acontecimento fosse no Verão, com os emigrantes e com os dias maiores, a festa deixaria de ser de âmbito concelhio e passava a ser de âmbito europeu”, conclui. Saciando a curiosidade de quem petisca esta doçaria regional, o senhor Plácido confessa que aprecia uma fogaça bem-feita e que não pareça uma regueifa. “Lembro-me perfeitamente de as torrar e colocar manteiga. É um método que poucas pessoas usam”, explica.
Reza a Lenda
86 anos de vida certamente servem para desmistificar ou confirmar boatos que têm origem no seio de um povo, neste caso nas terras da Feira. Diz a lenda que nos tempos do regime de Salazar, mais concretamente em 1934, uns padeiros da cidade estavam a confeccionar um doce típico da região quando, de repente, apareceram agentes da Pide. Os mesmos reagiram com medo e um deles segredou “Caladinhos”. Esta história tem prevalecido no seio dos feirenses e tem servido como base do aparecimento deste doce tão procurado em terras de Santa Maria. “Eu vagamente ouvi falar nisso, mas é natural que tenham confirmação. De qualquer maneira eu queria chamar a atenção para o seguinte. Eu nasci em 1930 e desde a mais tenra idade que ouvi falar em caladinhos.
Em 1930 já existiam os caladinhos e já assim eram designados. Eu bem sei que a Pide terá surgido no início da década dos 30. Sei porque andei no colégio de Espinho e tive na minha sala de aula, como grande amigo, um dos filhos daquele médico que foi morto pela Pide em Nogueira da Regedoura. Como sabe criam-se muitos boatos, anedotas, simulações, no entanto, é uma história com muita lógica e que pode ter acontecido”, realça.
Ser feirense é uma realidade que diz pouco aos demais, mas que diz muito a quem é, naturalmente, de Santa Maria da Feira. O senhor Plácido é um ícone vivo desta cidade e o seu amor e conhecimento à região é um cartão-de-visita a quem quer conhecer este recanto ou saber um pouco mais da sua história.
Terminando este momento motivado pela curiosidade em conhecer tal personalidade feirense, o nosso amigo termina a entrevista fazendo uma referência ao filósofo Epicuro, aconselhando que uma das receitas para se ser feliz é ter amizade. Resta-nos dizer, Obrigado senhor Plácido!
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Sob o olhar do Senhor Plácido…
Texto: Miguel Vidal
Fotografia: Ricardo Grilo


